Ar@quém News - segunda-feira, 14 de março de 2011

Devastação! Peixes nobres são raros nos mares cearenses

Estudos indicam que a pesca predatória combinada com a poluição e mudanças climáticas agravam crise.

Com 59 anos de profissão, o pescador artesanal Francisco Paulo do Nascimento viveu na semana passada um dia de rei. Afinal não foi para menos. Ele trouxe em sua jangada, um cangulo de três quilos. Coisa tão rara nos dias de hoje que o experiente pescador de pele queimada pelo sol, mãos calejadas e um característico cheiro de mar resolveu nem vender. Levou para casa para compartilhar com a família uma das "joias raras" das águas cearenses. O cangulo faz parte da lista com 21 espécies de peixes marinhos em extinção no Estado, segundo lista do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Além dele, estão os peixes serra, badejo, lambaru, cioba, garoupa, camurim, xereú, bonito (da mesma família do atum), beijupirá, piramutaba, caranha e o pargo (atualmente em período de defeso).

Assim como Francisco, quem vive da pesca nos dias de hoje, incluindo até os atravessadores, sabe que já se foi o dia em que os oceanos foram considerados fontes inesgotáveis de alimento. Hoje, a realidade mostra que a situação é grave e é motivo de reflexão de universidades, organizações não-governamentais (ONGs) e governos. O engenheiro de pesca e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raimundo Nonato Conceição, afirma que produção pesqueira marinha e em área de estuário, que atingiu mais de 700 mil toneladas anuais na década de 80, caiu para cerca de 500 mil nos últimos anos. Por isso, não é de se estranhar que a maior parte dos peixes encontrados nos mercados, supermercados, restaurantes e barracas de praia de Fortaleza venha de outros Estados como Pará e Maranhão. Além disso, aponta, o valor comercial de cada espécie conta muito em alto mar. Para ele, o aumento do número de embarcações e o aumento cada vez maior de aparelhos de pesca em cada barco - em sua grande parte ilegal, sem licença para executar a pesca - promovem a captura de grandes quantidades de indivíduos imaturos (como é o caso da lagosta e do pargo), inclusive sem respeito aos períodos de reprodução das espécies.

Prova disso, é que em pleno Mercado dos Peixes, no Mucuripe, a professora Nalmira Donato, compra um pargo inteiro de quatro quilos por R$ 48,00 sem reclamar. "É uma sorte encontrar um bom peixe como esse aqui dando sopa", comenta. Houve tempo, lembra a professora, em que comprava com facilidade espécies como lanceta, batata e parum em pleno Centro da cidade. "Hoje, isso não acontece mais, esse peixes desapareceram e os preços estão pela hora da morte". As espécies citadas por Nalmira, explica a bióloga Nadja Pereira, sumiram mesmo dos mares e outras, alerta, estão no mesmo caminho. Para ela, a atividade pesqueira vive um contexto de crise ocasionada por vários motivos, dentre eles destacam-se a sobrepesca e a pesca predatória. "As ações de governo para a redefinição das políticas de pesca e aquicultura não conseguem dar respostas efetivas a esses problemas", avalia.

A oceanógrafa Sylvia Earle afirma que os oceanos estão doentes devido à teimosia do ser humano em poluir suas reservas naturais. Os oceanos dão a água, a comida e a maior parte do oxigênio que se respira. "Se ele adoece, nós sentimos. Se ele morrer, nós morremos. O nosso futuro e a situação dos oceanos são uma coisa só", constata.

ANÁLISES ALEATÓRIAS
Faltam dados atualizados


As atividades de sobrepesca e a incidência cada vez maior de espécies ameaçadas de extinção são de conhecimento de todos, mesmo assim, diz a pesquisadora Angelina Costa, é difícil avaliar a qualidade dos estoques naturais brasileiros. De acordo com ela, há carência de dados básicos de estatística pesqueira. Na sua avaliação, falta, no Brasil, uma política que seja baseada na coleta de dados de desembarque. "É o que chamamos, na literatura, de "baseline", uma referência de dados que permitam comparações temporais sobre a situação dos estoques pesqueiros", afirma. Essa carência é reconhecida pelo Ibama. Segundo o chefe do Núcleo de Pesca do órgão, Cláudio Roberto de Carvalho Ferreira, as informações mais recentes relativas à 2009/2010 esbarraram na falta de recursos.

O problema enfrentado por estudiosos e governo é sentido no cotidiano por quem vive do setor. O pescador Marcos Silva Santos, com 25 anos de mar, conta que saía para o mar e trazia 150 quilos de peixe, hoje é um sofrimento para conseguir pegar 50 quilos. "Quando trazemos esse tanto na jangada, agradecemos muito a Deus pela bênção da boa pescaria". Se de um lado, os artesanais sofrem, do outro, os chamados industriais também. O caminhoneiro Francisco de Assis Silva diz que passou 30 anos de sua vida como pescador e agora, há pouco mais de dez anos, ganha vida pegando a estrada entre o Piauí, Maranhão e Ceará para trazer o peixe em maior quantidade. "Antes, passava dois dias para encher o caminhão. Agora, espero quase cinco para trazer metade do que trazia antes".

Na cadeia do peixe, os donos de restaurantes e barracas não ficam imunes. O sirigado, uma das espécies mais procuradas não está na lista ameaçada. No entanto, é um dos mais visados. Seu preço vem subindo no mercado. O quilo que sai da origem por R$ 5,00 é comprado por R$ 15,00. O filé custa R$ 40,00 para o empreendimento e R$ 100,00 para o consumidor geral.

NOVOS RUMOS
Diversificação é uma das alternativas


O Ibama não nega o tamanho do problema enfrentado pelo setor, mas defende a atuação do governo federal contra a pesca ilegal e predatória. Segundo Cláudio Roberto, o rigor da fiscalização nas águas tem surtido efeito, principalmente em defesa da lagosta e pargo. Para especialistas, como o engenheiro de pesca, Raimundo Nonato Conceição, uma alternativa para minimizar as consequências da situação é a diversificação de espécies alvo para as pescarias de pequena e média escalas. Uma saída seria a fortificação de pescarias que representam vocações em determinadas praias do Ceará, como é o caso da pesca de sardinhas na Caponga (Cascavel) e na praia do Preá, em Jericoacoara. A UFC, informa, vem mantendo pesquisas ao nível acadêmico nas praias mais importantes do Estado, no sentido de diagnosticar determinados casos críticos da pesca de pequena escala, como os descritos acima.

Fonte: Diário do Nordeste
Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário:

Postar um comentário