"Se A é sucesso na vida, então A = x + y + z. Trabalho é x, y é diversão e z é manter a boca calada." (Albert Einstein)
Trabalhar, se divertir e manter a boca calada parece um bom conselho, mas muitos em vez de manterem a boca calada, pronunciam algo sem muito sentido... Fazem isso espontaneamente ou de forma intencional? O pensamento que abre esse pedido demonstra que realmente Einstein sabia lidar com assuntos científicos e sociais, o que tinha de espírito científico não faltava no político. Não há como negar, em todos os setores se encontra oposições, e deve existir mesmo, caso contrário, nosso pensamento dificilmente evoluiria e o aprendizado seria menor, o contraste faz parte da beleza do Universo. Muitas críticas e pensamentos rançosos são fontes de motivações, em que nos fazem querer evoluir ainda mais, aprender e desaprender. Na realidade, o Homem sempre aprende (e muito) quando recebe desafios, nisto não há dúvidas. Como em tudo, na Ciência também existem os sabichões (aqueles cientistas que dizem experientes, mas acabam apoiando teorias – ideias tendenciosas?) que sempre querem derrubar seus aprendizes, defender seus chefes ou ao menos atrapalhar os trabalhos novatos. São aqueles os que deveriam manter a boca calada...
Na terceira década do século XIX, havia um renomado químico sueco (o mestre da Química na época) chamado Berzélius, experiente e conhecedor de todas as técnicas de laboratório de Química conhecidas até então. Acreditava ele (e todo o seu grupo) que dentro da célula viva, habitava misteriosas forças vitais, espíritos sensíveis, capazes de fabricar as substâncias presentes nos organismos vivos, ou seja, somente os seres vivos poderiam fabricar uma vitamina, um açúcar, um hormônio etc. Berzélius, era mais um dos defensores da Teoria do Vitalismo, doutrina esta que sustentava que somente os seres vivos (“experientes” evolutivamente – vejam bem, evolutivamente) poderiam realizar determinadas atividades, como por exemplo, a produção de uréia (substância encontrada como produto de excreção na urina de alguns animais). Muitos cientistas “inexperientes” foram ludibriados por aqueles “mestres” da ciência de então. Alguns “inexperientes” perguntavam: Seria possível penetrar na membrana celular e observar o trabalho daqueles espíritos sensíveis? A resposta era sempre um bem pronunciado não, seguido de um acréscimo: nem mesmo os mais “experientes” conseguem fazer isso... Alguns se contentavam com aquilo, outros tentavam ir mais longe do que seus próprios mestres.
Naquele contexto, surge então, um jovem estudante. Não tinha muito conhecimento na área de Química, pois havia estudado medicina – uma área afim. De fato tinha uma formação (não na área de Química, mas tinha), responsabilidade, vontade de trabalhar, e claro, tinha todo o apoio de seu professor de medicina, ou seja, alguém confiava bastante em seu trabalho. Além disso, tinha uma grande vontade de mudança e acreditava que não são somente os mestres (experientes) que realizam grandes trabalhos, ele também poderia aprender com sua própria “inexperiência” e assim se tornar um aprendiz experiente. Seu nome: Friedrich Wöhler- aquele que superou seu “experiente” mentor (como muitos na ciência). Um jovem de 28 anos que ficou cunhado na História como aquele da síntese da uréia. Com sua “inexperiência” conseguiu derrubar a mais famosa Teoria de sua época – o Vitalismo e contribuiu diretamente para o progresso de nossa civilização.
A uréia era uma substância até então produzida apenas pelas “experientes” células vivas. Na época, toda a classe de profissionais químicos – excetuando uma pequena parte de químicos “inexperientes” - acreditava que somente os seres vivos eram capazes de realizar aquele feito. A façanha de Wöhler possibilitou uma grande evolução na área científica, em especial na Química, pois possibilitou a fabricação de milhões de produtos. A fabricação de todos os medicamentos, perfumes, plásticos, vitaminas, hormônios, anticoncepcionais e toda a área da medicina e nutrição devem-se ao feito de Wöhler. Além disso, foi com esse trabalho que os bioquímicos, anos depois conseguiram “penetrar” nas células vivas e analisar o trabalho daqueles “espíritos sensíveis”, hoje conhecidos como enzimas. O trabalho de Friedrich Wöhler demonstra que devemos prosseguir com aquilo que acreditamos mesmo encontrando resistência de pessoas mais “reconhecidas”.
Talvez se “inexperiente” Wöhler tivesse vivido para ver as consequências de seu trabalho, pediria para seus “experientes mestres” trabalharem, se divertirem e manterem a boca calada antes de alguém tentar realizar aquilo que lhe foi confiado. Ou então responderia com as mesmas palavras de Isaac Newton: “se pude enxergar mais longe, foi por me erguer sobre os ombros de gigantes”.
Chupem a laranja, mas primeiro retirem a casca, pois esta se mostra amarga às nossas papilas gustativas e contém substâncias cáusticas. O que tem de melhor é mais profundo...
Por Marcos Souza
Professor de Química
