Ar@quém News - quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O anonimato sob a ótica da Constituição Brasileira; Esclareça-se!

 
Foi a Constituição republicana brasileira de 1891 que primeiro positivou a cláusula de vedação do anonimato. O §12 do seu artigo 72 previa:

“Em qualquer assunto é livre a manifestação de pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato.” (grifou-se)

Esta Lei Maior, ao não permitir o anonimato, objetivava “inibir os abusos cometidos no exercício concreto da liberdade de manifestação do pensamento” [23], conforme discorreu o Min. Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal citando João Barbalho e Carlos Maximiliano.

Seu fim maior, já que previsto no próprio dispositivo citado, era viabilizar a adoção de medidas de responsabilização no contexto da publicação de livros, jornais ou panfletos, contra aqueles que “viessem a ofender o patrimônio moral das pessoas agravadas pelos excessos praticados” e que “jamais deverá ser interpretada como forma de nulificação das liberdades do pensamento”, conclui o Ministro.

Na Carta Política, promulgada em 1988, o veto constitucional ao anonimato, consagrado no art. 5º, IV, in fine, ganha relevo quando é aplicado aos meios de comunicação, pois estes envolvem a liberdade de expressão e a garantia da privacidade, do sigilo, direitos também previstos pela Constituição.

O anonimato é um ato comissivo ou omissivo do qual se valem os indivíduos para não revelarem suas identidades, quer seja o nome, o endereço, o rosto, e no contexto da internet, o e-mail de acesso (login), o número IP (Internet Protocol) ou qualquer outra informação que possibilite a individualização do transmissor dos dados, do pensamento.

Também na análise do tema, o Min. Celso de Mello da Suprema Corte Constitucional fez apreciação cristalina, observando que esse veto tem objetivo de acautelar as conseqüências do exercício do direito de livre expressão, nos seguintes termos:

“O veto constitucional ao anonimato, como se sabe, busca impedir a consumação de abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento, pois, ao exigir-se a identificação de quem se vale dessa extraordinária prerrogativa político-jurídica, essencial à própria configuração do Estado democrático de direito, visa-se, em última análise, a possibilitar que eventuais excessos, derivados da prática do direito à livre expressão, sejam tornados passíveis de responsabilização, "a posteriori", tanto na esfera civil, quanto no âmbito penal”[24].

Nesse sentido, convém delimitar o âmbito de incidência dessa proibição. Somente quando ocorrer a livre manifestação do pensamento é que estará vedado o anonimato, pois, é a partir do momento em que tal expressão humana ingressa no mundo social, quando fica conhecida por pelo menos outra pessoa através de processo comunicativo, que poderá influir na esfera jurídica alheia ou chegar a violá-la – ensejando a busca pela reparação.

Esse âmbito de aplicabilidade da vedação constitucional é assim delimitado devido às outras garantias constitucionais que asseguram a inviolabilidade , do sigilo da comunicação de dados, dos próprios dados, da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas – mesmo sendo elas infratoras.

Melhor se explica. Sabendo-se que o anonimato não ocorre se não houver a manifestação do pensamento, esta não pode ser posta ao conhecimento social enquanto estiver no âmbito de proteção daqueles direitos da privacidade, intimidade e sigilo. Por exemplo, o internauta que cria um e-mail (dados eletrônicos) com informações caluniosas contra alguém e o armazena em um computador/servidor (na internet) de titularidade de uma empresa, que lhe presta o serviço de correio eletrônico, enquanto não for divulgado (enviado) por ele a outras pessoas com intuito de praticar o crime de calúnia, esse e-mail estará sob proteção dos direitos à privacidade lato sensu e de sigilo.

Nessa situação, há de lado oposto a estas proteções, outros direitos, como o de resposta proporcional ao agravo, o de indenização pelo dano material, moral e à imagem decorrentes das violações ocorridas com a divulgação da calúnia perpetrada através do exercício da livre expressão dos atos humanos.

Com efeito, basta a divulgação de uma palavra ou frase para que seja praticado um ilícito, invadindo-se a seara dos direitos alheios. É por isso que o anonimato não é tolerado pela Lei Maior.

O escopo preciso desse princípio constitucional (proibitivo) é o de proteger os integrantes da sociedade e principalmente o Estado Democrático de Direito, porque neste é necessário garantir que o ofendido tenha poder de adotar as providencias que a Constituição da República autoriza, como, a de reparar os danos e as violações sofridas.

Sendo sua prática proibida pela norma constitucional, torna-se uma conduta vil, ou melhor, como foi definido de forma mais incisiva pelo doutrinador Celso Ribeiro Bastos, que dissertando sobre a proibição do anonimato na manifestação do pensamento, escreveu:

“Proíbe-se o anonimato. Com efeito, esta é a forma mais torpe e vil de emitir-se o pensamento. A pessoa que o exprime não o assume. Isto revela terrível vício moral consistente na falta de coragem. Mas, este fenômeno é ainda mais grave. Estimula as opiniões fúteis, as meras assacadilhas[25], sem que o colhido por estas maldades tenha possibilidade de insurgir-se contra o seu autor, inclusive demonstrando a baixeza moral e a falta de autoridade de quem emitiu estes atos. Foi feliz, portanto, o texto constitucional ao coibir a expressão do pensamento anônimo”[26].

Nesse sentido, vê-se a necessidade de coibição ao anonimato. No entanto, há os institutos do sigilo das correspondências, das comunicações telegráficas, dos dados, das comunicações telefônicas, igualmente previstos pela norma fundamental, que podem ser vistos, em tese, como meio de perpetuar o anonimato, já que somente o sigilo das comunicações telefônicas pode ser violado para instruir uma investigação ou instrução de processo criminal, os outros não.

Proteger os anônimos pelo sigilo pode redundar em condutas irresponsáveis, comportamento torpe dos internautas, “estimula as opiniões fúteis, as meras assacadilhas” no dizer de Celso Ribeiro Bastos acima citado, mas o sigilo se insere num contexto que admite ponderação e o emprego da razoabilidade nos termos do próprio sistema jurídico existente, conforme será analisado no próximo capítulo, para permitir a quebra do sigilo de dados; jamais, no entanto, o sigilo da transmissão desses dados.

Não obstante o conflito de normas é preciso voltar à idéia dos parágrafos anteriores. Mais do que anonimato e privacidade, a discussão remonta à questão da responsabilidade que cada cidadão deve se incumbir perante suas ações na sociedade e na Internet – papel social esse que poderia ser considerado ideal, onde cada cidadão é respeitado nos seus direitos e retribui através das suas condutas pacíficas e legais.

O Min. Carlos Velloso defendeu que acatar as condutas anônimas:

“é conferir ao anônimo respeitabilidade que ele não tem, pois o homem sério não precisa esconder-se sob a capa do anonimato para dizer do caráter ou da conduta de alguém - é fazer tabula rasa do direito de defesa, já que é fácil, muito fácil, dizer que alguém não presta, que alguém tem mau procedimento, se se afasta a possibilidade desse alguém esclarecer as informações, realizar aquilo que é básico num Estado de Direito, que é o direito de defesa”[27]. (Leia o artigo completamente em Âmbito Jurídico.)

Por Paulo Francisco Cardoso de Moraes

Advogado


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